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O CAMINHO NAS CIDADES

DATA: 16|04|2024

Por Beatriz Nardelli

Brasília entre a vida e a morte da única cidade modernista no mundo, na primeira via com lojas a morrer, a W3 e W2 Sul.

Minhas condolências. A rua morreu. Os espaços estão vazios como uma alma sem corpo. Isso mesmo, as pessoas estão se esvaziando de Brasília, essa alma que vive em nossos corpos e morre todos os dias, um pouco. Vejo as pessoas ao relento, a quase se decompor, por falta de rumo numa cidade onde os carros, grande parte das vezes, possuem mais importância do que os pedestres.  

 

A jornalista Jane Jacobs, que escreveu o livro “Morte e vida nas grandes cidades americanas”, desde a década de 60 denunciava as cidades que mais pareciam desejar que as pessoas só caminhassem com rodas. Não pensavam, assim como ainda não pensam, que cidades são feitas para pedestres, ou “andantes” como prefiro denominar.

 

Um suspiro, outra morte. Em vielas na W3, assisto poeticamente a solidão se encontrar com quem passa, por vezes amargando um triste fim, ou um ruim “re-começo” quando outras pessoas além de mim, apenas uma observadora, caminham em espaços sem postes, sem luz, e correm o risco de ser estupradas, assaltadas ou mortas. Até porque, à noite nas ruas a fome reina junto as drogas e bebidas, e se a ideia é passar entre lojas e ruas, naqueles becos que se formam entre os Blocos, escurecidos, o risco de cruzar com alguns destes problemas é grande.

 

Caminhos claros e “andantes” a seguir, porque é importante entender que na cidade nem todos os caminhos, mesmo pela manhã, são seguros. Segurança é, aliás, o sonho de muitos deixados por outros. E quem são esses outros? Os agentes do governo na cidade, e os ricos. Afinal, o pedestre pede por lugares seguros, com calçadas arrumadas, sem buracos, com acessibilidade e com bons caminhos, e o governo não atende. Se bem que na W3 e na W2 foram feitos alguns arranjos nas calçadas, e incluídas faixas de pedestres (na W2).

 

Falando em faixas, eu vi e existem muitas. Mas, se você for Pessoa com Deficiência (PCD) ou um idoso, e precisar atravessar, nem todas as calçadas tem aquele espaço rebaixado como passagem facilitada. As ruas não recebem manutenção, são largadas e tem buracos, e na chuva ficam alagadas. Como atravessar? Uma lástima.

 

Um suspiro. A rua respira. Nem tudo está perdido na W3 Sul. Em alguns conjuntos de lojas é possível enxergar venda de móveis para escritórios, e tecidos. Lindos, coloridos. Outro dia entrei numa delas para comprar aviamentos e tecidos, e olhando de dentro para fora, eu vi carros e pedestres, e achei ter escutado as 4 estações, de Vivaldi. Os carros corriam, e as pessoas andavam ritmadas, contando os passos, e corriam, quando o sinal abria. Tenho certeza que escutei música entre o que corria e o que apenas seguia.

 

É isso. A cidade morre porque ainda não enxerga o pedestre que está à sua frente. Tem horas que eu me sinto dentro de uma música do Tim Maia, quando ele cantava: “Já virei calçada maltratada. E na virada quase nada. Me restou a curtição”. 

A W3 já foi repleta. Teve cinema, além das lojas de móveis e tecidos, existiam muitas lojas de roupas, calçados, brinquedos e outros itens.

 

Um último suspiro profundo. A W3 morreu com a construção dos shoppings. Agora o que sobra de uma das maiores avenidas de Brasília?

 

Agora. Nada.

Por Beatriz Nardelli 

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